AULA 00 - Introdução ás bases do direito constitucional

A Teoria Geral do Direito Constitucional e do Estado: Nosso Ponto de Partida

Nossas primeira aula abordarão a Teoria Geral do Estado e o Direito Constitucional. Veremos conceitos fundamentais como:

  • As origens do Estado Moderno.
  • O constitucionalismo.
  • Os princípios constitucionais.
  • O histórico das Constituições no Brasil.

As Origens do Constitucionalismo e do Estado Moderno

Para entender o Direito Constitucional, precisamos voltar no tempo e compreender suas raízes.

  • A Ligação com o Estado Moderno:

    • A origem do constitucionalismo está intrinsecamente ligada às origens do Estado Moderno.
    • Um marco fundamental para o surgimento do Estado Moderno foi o Tratado de Vestfália, assinado em 1648, no século XVII. Este tratado simbolizou o fim do feudalismo e o surgimento dos Estados Nacionais, delimitando fronteiras (como entre a França e os Estados Germânicos).
  • O Berço do Constitucionalismo: A Inglaterra:

    • Não podemos falar de constitucionalismo sem mencionar a Inglaterra, que é o berço do parlamentarismo e, por consequência, também do constitucionalismo.
    • Desde o século XIII, a Inglaterra viu o surgimento de "pactos estamentais" que impuseram limites ao poder dos monarcas. Entre os mais importantes estão:
      • Magna Carta de 1215.
      • Bill of Rights.
      • Petition of Rights.
      • Habeas Corpus Act (todos no século XVII).
    • Esses documentos foram cruciais para o desenvolvimento da ideia de limitação do poder governamental e do respeito a direitos fundamentais, pilares do constitucionalismo.

O Conceito Geral de Estado

Agora que vimos as bases históricas e filosóficas, vamos ao conceito de Estado.

  • Definição (segundo Dalmo de Abreu Dallari):

    • O Estado é a agregação de uma unidade populacional sob a tutela de um poder (ou governo) soberano dentro de uma precisa delimitação territorial.
  • Elementos Essenciais do Estado:

    • Povo ou Nação: São as pessoas que compõem aquela nação. É importante notar que nem sempre um Estado corresponderá a apenas uma nação. Você pode ter um Estado com várias nações ou etnias, como nas antigas repúblicas tchecas e na Bósnia, ou mesmo no Brasil, com suas diversas etnias indígenas e quilombolas. As bancas de concurso frequentemente cobram que é possível haver mais de uma nação dentro de um mesmo Estado.
    • Território Unificado: A área geográfica sobre a qual o Estado exerce sua soberania.
    • Poder Soberano: É o poder que exerce a soberania.
      • Atenção: Não confunda Soberania com Autonomia.
        • Soberania: É um atributo da República (do Estado como um todo).
        • Autonomia: É um atributo das unidades que compõem essa República, como a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, conforme o Artigo 18 da nossa Constituição Federal. Todos são autônomos nos termos da Constituição, mas a soberania pertence à República Federativa do Brasil.
    • Finalidade em Comum: Dalmo de Abreu Dallari também inclui a finalidade (o propósito ou bem comum) como um elemento essencial na construção do conceito de Estado.

Afinal, o que é Direito Constitucional?

Chegamos ao cerne da nossa disciplina:

  • O Direito Constitucional é a matriz de onde emana toda a ordem jurídica de um determinado Estado.
  • É a partir dele que se originam todos os demais institutos e ramos do direito interno.

Ele é a base, a fundação sobre a qual todo o sistema legal de um país é construído. Compreender o Direito Constitucional é, portanto, essencial para entender a organização do Estado, os direitos e deveres dos cidadãos e a própria estrutura da sociedade.

Princípios Estruturantes da Federação

Para começar, é crucial entender que a organização do nosso Estado brasileiro se baseia em princípios fundamentais, que frequentemente aparecem em exames e concursos. São eles:

  1. Princípio Republicano:

    • Este princípio está diretamente ligado à República Federativa do Brasil, conforme estabelecido no Artigo 1º da Constituição Federal.
    • Ele se refere à separação de poderes, um pilar essencial para evitar a concentração de poder e garantir o equilíbrio entre as funções estatais.
    • Além disso, o princípio republicano diz respeito ao exercício e à transferência dos mandatos eleitorais. Isso significa que os governantes são eleitos para um período determinado e que a troca de poder ocorre de forma democrática e previsível.
    • Por fim, ele abrange a organização e estrutura do governo e da administração pública, ditando como o Estado se organiza para exercer suas funções.
  2. Princípio Federativo (ou Pacto Federativo):

    • Conforme o Artigo 18 da Constituição Federal, a federação brasileira é composta pela União, os estados, o Distrito Federal e os municípios, todos autônomos nos termos da Constituição.
    • A autonomia dos entes federados é uma característica-chave, significando a capacidade de auto-administração, autogoverno e auto-organização. Eles podem gerir seus próprios assuntos, escolher seus representantes e organizar sua estrutura administrativa.
    • Uma característica vital é a indissolubilidade do pacto federativo. Isso quer dizer que as unidades federativas não possuem o direito de secessão (separação). Elas não podem simplesmente se desligar da federação.
    • Apesar da autonomia, existe a possibilidade de intervenção da União nas unidades federadas. Prevista nos artigos 34, 35 e 36 da Constituição, essa intervenção é um estado de exceção que ocorre para manter a coesão do pacto federativo. É uma medida extrema para garantir a unidade do país.
    • O poder de reforma da Constituição (Art. 60, § 1º) também pode ser uma limitação circunstancial.
  3. Princípio do Estado Democrático de Direito:

    • Este princípio une os ideais de democracia (poder do povo) e Estado de Direito (submissão do Estado à lei).
    • Aspecto Formal: Envolve a divisão dos poderes e a independência do Poder Judiciário. Garante que o Estado se submeta à lei e oferece tutela jurídica e indenização aos cidadãos frente a intervenções estatais.
    • Aspecto Material: Refere-se à participação popular no exercício do poder. Essa participação pode ser:
      • Direta: Quando o povo atua diretamente nas decisões, por meio de referendo, plebiscito e iniciativa popular (projeto de lei).
      • Indireta: Quando o povo exerce o poder através da eleição de seus representantes.
    • É o princípio que consagra que todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de seus representantes ou diretamente, conforme o parágrafo único do Artigo 1º da Constituição. O Estado brasileiro é um Estado Democrático de Direito.

Formas de Estado

As formas de estado dizem respeito à organização espacial do território de uma nação. Ou seja, como o poder está distribuído geograficamente dentro de um país.

  1. Estado Unitário:

    • Como o nome sugere, é um Estado em que o poder é centralizado no governo central.
    • pouca ou nenhuma descentralização política para as unidades sub-regionais. Isso significa que não há, ou quase não há, autonomia política para regiões menores, como estados ou municípios.
    • Pode haver alguma descentralização administrativa, mas sem poder decisório, sem elaboração de leis próprias ou eleição de representantes locais com autonomia política. Essa descentralização pode ser revogada a qualquer momento pelo poder central.
  2. Confederação:

    • É uma união de estados independentes, não de unidades autônomas.
    • É regida por um tratado internacional e é dissolúvel. Isso significa que os estados membros têm o direito de secessão (separação).
    • Os estados membros detêm soberania (total independência e poder supremo), e não apenas autonomia.
    • Um exemplo histórico clássico são as 13 colônias independentes dos Estados Unidos da América antes de se tornarem uma federação.
  3. Federação:

    • É uma união de unidades federativas autônomas (como União, estados, DF e municípios no Brasil), mas não soberanas. A soberania reside na federação como um todo.
    • Suas características incluem:
      • Repartição de competências e rendas: As unidades federadas têm a capacidade de estabelecer seus próprios impostos e rendas, de acordo com as regras da Constituição Federal.
      • Composição bicameral do poder legislativo: Geralmente, há duas casas legislativas – uma para representar os estados membros (como o Senado no Brasil, Art. 52 CF) e outra para representar o povo (como a Câmara dos Deputados no Brasil, Art. 51 CF).
      • Regida por uma Constituição Federal: A lei máxima que estabelece a organização do Estado.
      • Possibilidade de intervenção do governo central nos governos regionais (Art. 34 e 36 CF).
      • Existência de um órgão de cúpula do poder judiciário para a defesa da Constituição, como o Supremo Tribunal Federal (STF) no Brasil.
      • Autonomia dos estados membros: Capacidade de elaborar suas próprias constituições, de autogoverno (eleger seus representantes políticos) e de auto-administração (organizar sua administração pública).

O Federalismo Brasileiro

O federalismo no Brasil possui características peculiares que o diferenciam de outros modelos:

  • Origem por Desagregação (Movimento Centrífugo): Ao contrário dos EUA, que formaram sua federação por agregação (de fora para dentro, com colônias independentes abrindo mão de sua soberania para criar um governo central), o federalismo brasileiro surgiu de "dentro para fora". Havia uma unidade central (o Império) que "outorgou" poderes às unidades federadas, descentralizando o poder. Isso ocorreu com a Constituição Federal de 1891, que criou a República Federativa dos Estados Unidos do Brasil.
  • Federalismo de Terceiro Grau: Uma característica marcante do Brasil é que os municípios detêm autonomia, sendo considerados entes federados (Art. 18 da CF). Isso não acontecia em constituições anteriores a 1988.
  • Cláusula Pétrea: A forma federativa do Estado é uma cláusula pétrea da nossa Constituição (Art. 60, § 4º da CF). Isso significa que nem mesmo uma emenda constitucional pode abolir essa forma de organização do Estado.
  • Federalismo Cooperativo: Nosso sistema é caracterizado pela repartição de competências e rendas entre todos os entes federados (União, estados, municípios e Distrito Federal).

É importante notar que, em decorrência do princípio federativo, os estados possuem constituições e os municípios leis orgânicas, sendo estes documentos aprovados por força de disposição constitucional.

Formas de Governo

A forma de governo se refere à relação entre governantes e governados no que diz respeito à aquisição, exercício e transferência de poder político.

  1. República:

    • É a forma de governo que adotamos no Brasil (República Federativa do Brasil).
    • O poder é exercido por um mandatário eleito, que pode ser um presidente ou um primeiro-ministro, dependendo do sistema de governo.
    • O exercício do poder é temporário, ou seja, há alternância de poder por meio de eleições periódicas.
    • responsabilidade e o dever de prestar contas ao povo (accountability). Os mandatários (agentes) devem justificar seus atos e são fiscalizados, por exemplo, pelo Poder Legislativo e Tribunais de Contas.
    • representatividade popular, com representantes eleitos pelo povo.
  2. Monarquia:

    • Caracteriza-se pela vitaliciedade do monarca, que só deixa o poder com sua morte.
    • A transferência de poder ocorre por sucessão hereditária.
    • Geralmente, há irresponsabilidade do governante e não representatividade popular. Contudo, em algumas monarquias parlamentares, o monarca pode prestar contas ao parlamento (como na Inglaterra).
    • Foi a primeira forma de governo no Brasil, com a Constituição Imperial de 1824. Naquela época, o Brasil era um Estado unitário, e não uma federação.

A República como Cláusula Pétrea (Controvérsia)

É importante notar uma particularidade sobre a República no Brasil: embora a forma federativa do Estado seja uma cláusula pétrea expressa (Art. 60, §4º da CF), a forma republicana de governo não foi expressamente exigida como cláusula pétrea. O Supremo Tribunal Federal (STF) entende que, como houve um plebiscito em 1993 para discutir a forma e o sistema de governo (monarquia vs. república, e presidencialismo vs. parlamentarismo), no qual a república foi mantida, não se trataria de uma cláusula pétrea imutável.

Contudo, alguns doutrinadores e bancas de concurso (como o CESPE) já anularam questões afirmando que se tratava de uma cláusula pétrea implícita. Portanto, é um ponto que exige atenção em provas.

Sistemas de Governo

O sistema de governo define o modo pelo qual se relacionam os poderes Legislativo e Executivo.

  1. Presidencialismo:

    • Caracteriza-se pela independência dos poderes (Executivo, Judiciário e Legislativo são independentes e harmônicos entre si, conforme Art. 2º da CF).
    • Opera com um sistema de freios e contrapesos (checks and balances), onde um poder vigia e controla as ações do outro. Exemplos incluem:
      • A análise de Medidas Provisórias pelo Congresso.
      • O julgamento do Presidente da República por crime de responsabilidade.
      • A admissão de denúncia contra o Presidente pela Câmara dos Deputados.
      • A análise da prestação de contas do Presidente pelo Tribunal de Contas da União (TCU) e aprovação pelo Congresso.
      • As Comissões Parlamentares de Inquérito (CPIs).
    • Possui uma chefia monocrática: a mesma pessoa acumula as funções de chefe de governo (administra internamente, como editar MPs ou fazer reunião ministerial) e chefe de estado (representa a nação externamente, como celebrar tratados internacionais ou declarar guerra).
    • A eleição dos membros do legislativo é por prazo fixo.
    • No Brasil, temos um presidencialismo de coalizão: o Presidente da República depende de acordos e alianças entre partidos no Congresso para conseguir aprovar suas políticas e projetos de lei. Essa característica tem sido muito criticada, pois, apesar da eleição direta, o Presidente precisa de capital político no Congresso para governar efetivamente.
  2. Parlamentarismo:

    • Existe uma interdependência e colaboração entre os poderes legislativo e executivo.
    • O primeiro-ministro governa enquanto tiver apoio do parlamento (através de um voto de confiança). Se perder a confiança, ele pode ser afastado.
    • Apresenta uma chefia dual:
      • Um chefe de governo (o primeiro-ministro, indicado pelo chefe de estado).
      • Um chefe de estado (que pode ser um presidente ou um monarca). Eles são figuras distintas, com atribuições específicas. Por exemplo, no Brasil, em um sistema parlamentarista, o chefe de estado (presidente) celebraria acordos internacionais, e não o chefe de governo.
    • O governo é responsável perante o parlamento.
    • O Brasil teve duas experiências parlamentaristas: uma durante o Império e uma breve no governo de João Goulart (1961-1963).

Regimes de Governo (Regime Político)

O regime de governo (ou regime político) refere-se à forma de exercício do poder constituinte originário. Ou seja, como o poder fundamental de criar ou modificar uma Constituição é exercido.

  1. Autocracia:

    • O poder é exercido por meio da imposição de uma constituição outorgada (imposta por um grupo, como uma junta militar, ou por um líder não eleito).
    • Os mandatos são por prazo indeterminado, ou seja, o governante fica no poder pelo tempo que desejar.
    • A transmissão de poder ocorre por laços de sangue ou amizade.
    • ausência de prestação de contas ao parlamento.
    • É um regime típico de monarquias, mas algumas repúblicas também podem ser autocráticas.
  2. Democracia:

    • O poder é exercido por meio da eleição de representantes da população (democracia indireta) ou de forma direta (através de plebiscito, referendo e iniciativa popular de projetos de lei).
    • Os mandatos são por prazo temporário/certo, garantindo a alternância de poder.
    • A transmissão de poder ocorre por eleições periódicas e livres.
    • Existe a prestação de contas e responsabilização (accountability e transparência). O sucesso de um mandato pode ser medido pela possibilidade de reeleição do mandatário.
    • É o regime típico das repúblicas.

Por hoje é só. Acompanhe nossas aulas também de outras matérias clicando no menu ao lado. 

Comentários